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Coronavírus e as novas configurações do trabalho

Eu não pretendia atualizar este blog nunca mais. Estava disposto a mantê-lo como registro para, de vez em quando, dar umas risadas com textos que escrevi um dia e que, hoje, não fazem mais o menor sentido - nada melhor que perceber seu processo de amadurecimento e suas revoluções pessoais consultando antigos escritos. Mas são 03h45, é uma madrugada insône de sábado pra domingo, acabo de ler todos os textos que uma colega muito querida e de longa data, a Adriana Bernardes, produziu para o seu recém-criado Reboar. Uma espécie de diário, delicioso, da nova rotina que criou, a partir do home office compulsório devido à pandemia. E aí, deu vontade de escrever também (obrigado por isso, Dri!) e me lembrei de ter este espaço para, exatamente, dar vazão às divagações insônes.

Tenho dois trabalhos hoje. Na TV Brasil, apresento um programa de cultura, cuja nova temporada estrearia na semana em que a possibilidade de home office foi dada aos que tem doenças crônicas - meu caso, um asmático desde a primeiríssima infância. Na impossibilidade da estreia, fui emprestado para o jornal da casa, como repórter. Na rádio Clube FM, sou social media. Tinha acabado de entrar no emprego novo, apenas dois dias, quando tudo isso aconteceu. Vim para o teletrabalho numa proposta solitária: meu filho ficaria por todo o período na casa da mãe, de modo a tornarmos ele próprio o menos exposto possível.

Em 2004 e em 2007, tive um estágio e um emprego (na mesma empresa em que havia estagiado, fui contratado anos após) em home office. Era uma empresa de clipping - um caderno em que você seleciona todas as notícias relacionadas aos assuntos de interesse de determinado cliente. Eu odiava tanto, mas tanto, ter de trabalhar em casa que prometi a mim mesmo que nunca mais faria isso. Hoje percebo que as nuances é que não deixavam as coisas tão claras: o que odiava não era trabalhar na minha casa, era o trabalho em si. E era um expediente escroto, que começava às 04h, ao lado da minha cama quentinha. Percebo também que o home office é muito bom para o que eu faço hoje em dia.

Aí, é inevitável fazer determinadas reflexões: faz sentido que as empresas mantenham imensas redações, ou imensos ambientes de trabalho nos moldes pós-revolução industrial? É inteligente que gestores precisem exercer poder e controle a partir da reunião de sua equipe de modo presencial? Faz sentido falarmos sobre jornada de trabalho estancada em parâmetros que mais tem a ver com a necessidade de controle de um chefe a seus subordinados do que com a natureza das entregas que estes devem fazer? Precisamos trabalhar nos moldes fordistas em pleno século 21?

Há, óbvio, um percentual de pessoas que precisam fazer o trabalho presencial. Grande parte, não. E, claro, estou refletindo sobre as rotinas do jornalismo e a partir de experiências pessoais. Também não estou propondo inflexões que uberizem a profissão. Mas o fato de termos desafogado nossas vias, mantendo muito mais gente trabalhando em casa, me trouxe os indícios de que não precisamos tanto assim de determinadas ortodoxias estabelecidas há tempos nas relações de trabalho.

Quer um exemplo? Sempre fui péssimo cumpridor de horário de entrada. Como o meu organismo trabalharia muito mais feliz nas noites e madrugadas, mas preciso ter um emprego matutino, acordar e estar pronto para começar a trabalhar sempre foi sacrificante. Não agora. Agora, basta ligar o computador. E enquanto ele vai ligando, vou escovando os dentes e colocando água para esquentar para preparar o meu café. Eliminando dos cálculos o tempo de banho e deslocamento, o ganhei para ser sempre pontual. Posso trabalhar de pijama, ouvir a música que gosto e fazer o intervalo entre uma tarefa e outra esticando as pernas na minha rede. Garanto: estou bem mais produtivo. O teletrabalho também demanda que você comunique todo o passo a passo das execuções de suas tarefas - o que é dispensável no trabalho presencial, onde basta que seu chefe te veja para atestar que você está trabalhando.

Só comigo as empresas estão economizando gastos com luz, consumo de internet, telefone e insumos como café e papel higiênico. Equação que seria melhor resolvida caso a empresa fornecesse essa compensação. No meu caso, a TV mandou um notebook com cabo de internet para que eu não precisasse usar o meu pessoal. Ainda vejo vantagem e economia para a empresa se ela fizesse contratos para fornecer internet e me tutelasse uma cadeira adequada (para manter a preocupação com ergonomia, por exemplo). Não tive nenhum episódio de rinite desde que comecei a trabalhar em casa, coisa que vivo tendo no trabalho presencial, onde há um imenso ar-condicionado que, se passa o período de manutenção, começa a fazer mal aos atingidos por seus ventos. Ainda no quesito saúde, mesmo o consumo de álcool em gel eu presumo que tenha caído. Com relação à jornada de trabalho, claro que ela continua necessária (e os gestores precisam entender que home office não é férias). Mas fica menos exaustiva se cumprida no conforto do lar, onde bastam alguns passos para que eu esteja na cozinha para fazer um lanche quando der fome.

Ah, mas e o outro lado do trabalho presencial, que é o estabelecimento de relações? Bom, há várias hipóteses: estabelecer reuniões semanais, valorizar atividades extra-trabalho que permitam os encontros… Por outro lado, elimina-se no home office a NECESSIDADE de conviver com colegas tóxicos, mau humorados ou aqueles que são tão bem humorados que se tornam efusivos e te atrapalham. Preconiza-se uma máxima do mundo corporativo: "não estou no ambiente de trabalho com a finalidade de fazer amigos". Os que porventura se tornarem, serão como os que se tornam na vida fora das empresas.

Óbvio, tudo isso aqui são meras divagações. Mas não seria bom que a pandemia deixasse este como um legado positivo? 

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